segunda-feira, 29 de abril de 2013

Magnus Carlsen, o gênio que trocou o futebol pelo xadrez.


Magnus Carlsen (Foto: TV Globo)

Quem olha para Magnus Carlsen pode achar que ele é apenas mais um jovem de 20 anos normal. O norueguês, desde pequeno, sempre gostou de futebol, torce pelo Real Madrid e é fã dos brasileiros Ronaldo e Roberto Carlos. No entanto, o rosto de criança esconde o maior prodígio da história do xadrez. Aos 13 anos, venceu os maiores jogadores do mundo e se tornou um dos atletas mais jovens a receber o título de Grande Mestre, a mais alta qualificação do xadrez. E no ano passado, aos 19, virou o líder do ranking mundial, tornando-se o mais rápido a alcançar esse posto.
- Eu sigo futebol na TV o tempo todo, especialmente os campeonatos da Espanha e da Inglaterra. Sou torcedor do Real Madrid, muito fã do Ronaldo e do Roberto Carlos. Acho que até teria sido um bom jogador, mas acho que estou bem no xadrez. Está valendo a pena, porque estou criando umas coisas legais - disse Carlsen.
O jogo de xadrez simula um conflito entre dois exércitos: 16 peças para cada oponente que se movimentam em um tabuleiro com 64 casas. Milhões e milhões de possibilidades e posições, tudo isso viajando na mente humana em uma velocidade incrível. Carlsen usa o cérebro de uma forma única, especial, que pode revolucionar tudo o que sabemos sobre o raciocínio e o pensamento. Mas você pode esquecer aquela imagem estereotipada de um nerd atrás de um computador. O norueguês virou celebridade, garoto-propaganda de uma multinacional de roupas, viaja o mundo, passeia com atrizes de Hollywood e conquista milhares de seguidores nas mídias sociais.
Magnus Carlsen faz parte de uma geração que cresceu desde cedo com uma companhia especial: os computadores. Para conhecer mais da história desse prodígio e da sua família, o Esporte Espetacular foi até Monaco, no Sul da França, acompanhar um torneio de xadrez entre os melhores do planeta. Segundo o pai, Henrik Carlsen, o filho mostrava habilidades especiais já na infância.
- Magnus tinha algumas habilidades que nos chamavam a atenção. Ele conseguia montar quebra-cabeças de 50 peças antes dos 2 anos. Com 4 ou 5, montava coisas fabulosas com Lego. Ele tinha uma habilidade incrível de concentração, de ficar focado em alguns tópicos por bastante tempo.
- O computador é uma grande ferramenta para o aprendizado. Ele usava o computador para várias outras coisas, e se sentiu confortável naquele ambiente. Os programas para jogar xadrez começaram a aparecer nos anos 90, justamente na geração dele - lembrou Henrik. Henrik adorava xadrez, então, pegou um tabuleiro e tentou ensinar Magnus. Mas, aos 6 anos, o garoto não quis nem saber daquele jogo parado, gostava mesmo era de jogar bola todos os dias. Vendo que iria perder a briga, o pai não forçou a barra na ocasião. E foi por volta dos 9 anos que Magnus começou, espontaneamente, a jogar xadrez... no computador, nada de tabuleiro. E o pai apoiou:
Jogar partidas com gente do mundo todo, desafiar amigos e estudar lances. Esses foram alguns dos atrativos que chamaram a atenção de Magnus para jogar xadrez pelo computador. Na época, o menino só queria aprender o jogo para vencer as grandes rivais: suas irmãs mais velhas.
- Entre os 9 e os 10 anos, ele começou a passar várias horas do dia jogando e estudando xadrez. Mas não como uma obrigação, nunca pedimos nada. Era um hobby. Ele tinha essa vontade. Primeiro, queria ganhar das irmãs. Depois começou a estudar para me derrotar. E asssim foi - contou Henrik.
- Eu nunca tive mesmo um jeito científico de estudar xadrez. Eu simplesmente seguia minha curiosidade, minhas ideias. Acho que isso foi muito importante - revelou Magnus.
Eu acho que tenho um 'felling' natural para o jogo. Tenho um estilo universal, disposto a correr risco. Não sigo muito os padrões. Se me dão uma ideia de tentar algo novo, eu estudo um pouco e vou em frente. Gosto de mudar de territórios a todo momento no xadrez."
O processo de formação utilizado pelo menino norueguês era bem diferente dos adotados pelos grandes jogadores do passado. Um dos Grandes Mestres de xadrez, o brasileiro Gilberto Milos tenta explicar as mudanças com o tempo.
- Enquanto nós nos espelhávamos nos melhroes jogadores do mundo, como Boby Fischer, e analisávamos as partidas dele, ele se espelha no melhor jogador de hoje, que é o computador, devido à capacidade de cálculo. O computador é melhor porque calcula mais, então ele desenvolve mais esse lado e de alguma forma chega próximo da capacidade de cálculo do computador. Não é igual, mas ele tira uma vantagem disso.
- No computador, você consegue informações muito rápido. O que significa que você consegue absorver conhecimento muito mais rápido do que no passado. Hoje, podemos aprender coisas em cinco anos que no passado levariam 20 -  decretou Milos.
Basicamente, Magnus Carlsen começou aos poucos a pensar como um computador. Por conta da sua formação, ele desenvolveu uma habilidade espetacular de calcular e memorizar. Magnus guarda na cabeça cerca de 500 mil jogadas (meio milhão de possibilidades).
- Quando você treina com o computador, contra um adversário que realmente te coloca problema de cálculos muito complexos, você certamente é mais exigido e desenvolve mais. Não sei exatamente como é esse processo, mas basicamente é isso. Você treina com alguém muito melhor do que você e a tendência é se aproximar disso. E como o computador é muito melhor no quesito cálculo, a tendência é que você melhore seu cálculo. Ele é mais exigido que as gerações anteriores, então o resultado é superior - explicou Gilberto Milos.
O trunfo de Magnus Carlsen é conseguir calcular mais rápido e, com isso, ele imagina como estará o tabuleiro de xadrez 20 lances à frente das pessoas comuns. Fica mais fácil prever as ações dos rivais e escolher a jogada certa. É o que conta o especialista no esporte Dirk Geuzendam.
- Você olha para o tabuleiro em um jogo dele e diz: não existe saída, está acabado. E aí, logo depois, Magnus escapa, com algo que ninguém havia pensado. Parece simples, mas é incrivelmente difícil fazer isso em um jogo de xadrez. Poucas pessoas têm esse talento: escolher precisamernte a jogada certa e fazer o que ninguém havia imaginado. É o que o Magnus faz.
Com essa habilidade toda, aos 13 anos Magnus já estava disputando torneios internacionais. Ele enfrentou e venceu, para a surpresa de todos, Anatoly Karpov, o melhor jogador do mundo por dez anos. O próximo desafio foi encarar aquele que é considerado até hoje o melhor de todos os tempos: Garry Kasparov, campeão mundial aos 22 anos e dono das mais altas pontuações internacionais do xadrez. Magnus conseguiu um empate contra o gênio do esporte, e parece que assustou o russo.
- Depois desse jogo o Kasparov foi embora correndo, nervosíssimo. Mas depois mandou um de seus livros autografados para a nossa casa e disse que podia dar umas aulas, uns conselhos a Magnus. Ele não se interessou muito no começo, mas tempos depois se deu conta que Kasparov sabia muito, muito mesmo. E que poderia ajudá-lo - disse Henrik Carlsen.
Imagine isso: o melhor jogador de hoje com aquele que foi talvez o melhor da história. É a combinação dos sonhos."
A partir dali, Magnus ganhava um grande tutor, o que faltava para o menino deslanchar de vez. O russo adorava computadores e sabia utilizá-los para analisar jogos e melhorar a performance. E foi isso que Kasparov ensinou a Magnus, a usar melhor a máquina. O menino foi lapidado até chegar ao posto de número 1 do ranking da federação internacional.
- Depois de um tempo, aprendi a usar mais os computadores para me prepaparar para enfrentar meus oponentes, porque existe muita base de dados sobre os jogos. E também para analisar meu próprio jogo para analisar meus erros - contou Magnus.
A questão central que os cientistas tentam entender é como Magnus consegue raciocinar tão rápido? Algumas pistas já surgiram. A teoria é: quando um jogador comum pensa para fazer um lance no xadrez, ele usa apenas o lado esquerdo do cérebro. Já Magnus e outros grandes jogadores conseguem trabalhar os dois lados, usando assim o dobro da capacidade de raciocínio e memória. Por isso é possível calcular e memorizar tanto.
O prodígio Magnus Carlsen voltou a chamar a atenção do mundo para o xadrez. Nos anos 80, por conta da Guerra Fria, o que acontecia no tabuleiro era questão de Estado. EUA x URSS ou Bobby Fischer x Boris Spassky. Norte-americano e soviético chegaram a decidir um título mundial como se fosse final de Copa do Mundo de futebol. Nos anos 90, Homem x Máquina. Garry Kasparov também ganhou os holofotes quando desafiou computadores. Depois dele, o interesse pelo jogo caiu, até Magnus Carlsen.
- Todo grande jogador traz algo novo ao jogo, mas Magnus é especial. Ele parece agregar todo o conhecimento técnico dos campeões do passado, e consegue impor sua juventude e novas ideias para explorar novas posições, novos caminhos. Ele é um desbravador, e o xadrez precisa de desbravadores - finalizou Dirk Geuzendam.

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