Gustavo Almeida, técnico do Red Bull sub-15. "Como vamos formar jogadores se não pudermos errar?"
Formado no curso de Esporte da USP (Universidade de São Paulo) em 2006, o novato treinador acumula em seu currículo passagens por clubes como Audax e Red Bull, considerados dois dos principais clubes do país que possuem um trabalho específico na formação de jovens jogadores.
E, por ter vivenciado um cenário diferente da maioria das agremiações do futebol brasileiro, ele já sabe exatamente quais as carências que o Brasil precisa superar no esporte que é pentacampeão mundial.
"De uma forma geral, falta a figura do diretor ou coordenador técnico. Falta alguém que pense no jogo. Acredito que caminhamos muito em assuntos relacionados à gestão esportiva, mas estagnamos no aspecto técnico. Paramos de pensar no futebol. Precisamos formar profissionais que definam de que forma o clube quer jogar, pois, atualmente, os times jogam de acordo com o treinador. Mas, quando ele vai embora, toda aquela cultura também se perde e daí se começa outra maneira de pensar com a chegada do novo treinador. Isso é ruim. Todo clube brasileiro, por exemplo, deveria saber que tipo de atleta deve formar", aponta Gustavo Almeida, em entrevista exclusiva à Universidade do Futebol.
Para ele, a sorte de atuar em dois clubes-empresas o proporcionou a ter esta visão no futebol a longo prazo e que até agora nunca recebeu pressões externas por resultados dentro de campo nos times de categorias de base que trabalhou até agora.
Almeida acrescenta ainda que sempre procura estabelecer, junto aos jovens que comanda, uma relação de respeito às regras do local, a ter uma postura correta nos alojamentos, e até aulas de reforços de português, para mostrar a eles a importância do convívio social e para a formação deles no futuro.
"Quando converso com profissionais das categorias de base de outros clubes, sempre ouço frases como 'Aí no Red Bull é mais formação, aqui é mais resultado' ou 'Você pode jogar no infantil arriscando sair com o goleiro'. Isso é muito ruim. Como vamos formar jogadores se não pudermos errar? Isso não significa que entramos em campo para perder. Mas, lá na frente, isso fará toda a diferença, pois o índice de erro será menor no profissional", completa.
Nesta entrevista, o jovem técnico ainda falou sobre como faz para se atualizar em relação às novas demandas do futebol, por que utiliza a metodologia analítica em seus treinamentos, e como os goleiros são inseridos dentro do modelo de jogo do Red Bull. Confira:
Universidade do Futebol – Como você se preparou para assumir o atual cargo no Red Bull? Como se atualiza em relação às novas demandas do futebol?
Gustavo Almeida – Meu início no futebol foi por meio da faculdade. Cheguei a jogar futsal quando era menor, mas não prossegui na carreira. Então, desde a minha formação acadêmica, tinha na cabeça que queria atuar na área do treinamento. Logo que encerrei o curso de Esporte na USP (Universidade de São Paulo), em 2006, iniciei um estágio no extinto Pão de Açúcar (ex-Paec, atualmente Audax) como auxiliar de preparação física na categoria sub-15.
E, desde então, passei por todas as categorias do clube até 2009, quando fui promovido para o profissional como auxiliar técnico. O técnico na época, Serginho, e toda a comissão técnica achavam que eu tinha um perfil para essa função. E esta oportunidade foi importante para a minha vida profissional, pois em clube pequeno, você é preparador físico, mas também atua como auxiliar do treinador.
Então, aprendi muito neste período e posso dizer que o Paec foi o meu mestrado. Pela forma como eles pensam o futebol. Lá, fui campeão paulista sub-17 em 2008, tinha sido vice no ano anterior, e quase subimos para a Série A-1 no profissional em 2010. No geral, fui bem. Porém, neste período de um ano e dois meses no time principal, os resultados dentro de campo não vieram e eu acabei saindo.
Em janeiro de 2011, o técnico Fernando Seabra me convidou para atuar com ele no sub-20 do Red Bull. Mas, no início deste ano, ele foi para o profissional e eu fui convidado para assumir o sub-15, no qual estou até hoje. E, de lá para cá, adquiri mais bagagem nesta minha nova etapa. Aqui, eles têm outra visão do Paec, por exemplo, sobre o futebol. É uma abordagem diferente mais em relação ao jogo. A ideia não é formar o indivíduo através do coletivo, mas sim o atleta ter o coletivo como pano de fundo. Na hora de se fazer um planejamento, meu trabalho pesa questões como dribles, um contra um, passe, enfim, tudo que envolve a questão micro do jogo.
Então, acho tudo isso muito importante para a minha formação profissional, até porque eu não tenho a ideia formada em continuar como treinador. Depois de atuar nestes clubes, senti que falta a figura do coordenador técnico no futebol brasileiro. Alguém que pense o futebol em longo prazo, defina a forma que o clube quer jogar, o seu modelo de jogo, qual a maneira de querer formar atletas, etc. Isso eu encontrei aqui no Red Bull. Acredito que esta seja a maior deficiência do nosso esporte.
No entanto, para trabalhar neste cargo, é preciso ter atuado como treinador. Por isso, ser técnico é um passo na direção de se tornar um coordenador. E, paralelamente aos meus conhecimentos práticos, procurei estudar bastante coisas relacionadas ao jogo depois da faculdade. Leio artigos científicos, estudo os jogos, vou a encontros de futebol, como o Footecon, acesso sites especializados, como a Universidade do Futebol, Soccer Coaching, Fútbol Tactico, Uefa technical, entre outros.
Além disso, o Red Bull oferece cursos de capacitação para seus profissionais. A marca atualmente conta com cinco times de futebol no mundo: na Áustria, Gana, Nova York, Alemanha, e Brasil. E todos eles seguem a mesma linha. Com isso, tive a oportunidade de ter aulas com o treinador holandês Ricardo Moniz, que foi campeão com o Red Bull Salzburg e que tem essa função de ser responsável pela base de todos os times do grupo. Ele veio para o Brasil dar treinos para os treinadores. Como se fosse um curso intensivo. Este momento também é muito interessante para a gente sair do dia a dia e pensar sobre o que estamos fazendo. Essa troca de ideias também contribui para a nossa evolução.
Hoje, o menino que está na categoria sub-15 tem de ser preparado para jogar futebol daqui a 10 anos, diz Gustavo Almeida
Universidade do Futebol – O tempo que se tem para mostrar resultado no futebol brasileiro é extremamente escasso. Como você vê sua atuação profissional diante desta realidade?
Gustavo Almeida – Sinceramente, eu tive a sorte de atuar em dois clubes-empresas, que não têm essa questão de resultado. Eu nunca vivi essa pressão por placares dentro de campo. Temos cobrança em relação a melhorar o trabalho; o foco sempre foi em relação à formação do jogador para o profissional. O objetivo é o título na equipe principal.
Mas, essa não é a realidade do futebol brasileiro. Eu sinto muito isso quando converso com profissionais das categorias de base de outros clubes. Sempre ouço frases como ‘Aí no Red Bull é mais formação, aqui é mais resultado’ ou ‘Você pode jogar no infantil arriscando sair com o goleiro’. Isso é muito ruim. Como vamos formar jogadores se não pudermos errar? Isso não significa que entramos em campo para perder. Mas, lá na frente, isso fará toda a diferença, pois o índice de erro será menor no profissional.
Universidade do Futebol – Hoje em dia, em sua opinião, quais os principais fatores que definem o resultado de uma partida?
Gustavo Almeida – Qualidade técnica é o principal. Mas, o nível de organização e a competitividade são o que definem. O talento individual em prol do coletivo. O ideal é ter uma ótima organização de jogo com jogadores de qualidade.
O novato treinador afirma que o foco nas categorias de base deve ser sempre a formação do jogador para o profissional
Universidade do Futebol – Em seu dia a dia, como faz para avaliar a evolução de sua equipe em treinamentos e jogos? Quais informações julga importante um treinador extrair de uma partida?
Gustavo Almeida – Como treinador do infantil, eu não acho importante fazer avaliações baseadas em números, em estatísticas. Acredito que, nesta etapa, o ideal é a gente analisar se o jogador está captando bem a informação.
No profissional, há funções como de analista de desempenho, scouter, que através de números, tentam determinar estes resultados de evolução. Já nas categorias de base, temos de ver se o jogador absorve as informações, se ele consegue aprender, se ele tem potencial, pois tudo o que o treinador transmite tem de gerar comportamentos.
Se isso não estiver acontecendo, daí é necessário uma revisão nos seus modos e métodos de trabalho. Porque se o atleta tem muita técnica, mas o poder de compreensão é baixo, o desenvolvimento dele com o decorrer do tempo vai ser menor. Então, temos de avaliar se ele tem atenção, concentração, enfim. Cognitivamente, o atleta tem de evoluir junto com o jogo. O futebol está caminhando para isso. Cada vez mais pressão, mais velocidade, mais tomada de decisão.
Hoje, o menino que está na categoria sub-15 tem de ser preparado para jogar futebol daqui a 10 anos. Para ele ser um jogador profissional, o aspecto cognitivo é muito importante para que este objetivo seja alcançado.
O futebol pode desenvolver sentimentos de cooperação e organização. É importante, nesta fase, os jovens serem estimulados a tomarem decisões pensando no grupo para o bem estar coletivo, aponta Almeida
Universidade do Futebol – Em sua opinião, o que deve mudar no trabalho das categorias de base nos clubes brasileiros? De uma forma geral, você acredita que o trabalho é bem feito?
Gustavo Almeida – Eu acho que no Brasil, de uma forma geral, falta a figura do diretor ou coordenador técnico. Falta alguém que pense no jogo. Acredito que caminhamos muito em assuntos relacionados à gestão esportiva, mas estagnamos no aspecto técnico. Paramos de pensar no futebol.
Precisamos formar profissionais que definam de que forma o clube quer jogar, pois, atualmente, os times jogam de acordo com o treinador. Mas, quando ele vai embora, toda aquela cultura também se perde e daí se começa outra maneira de pensar com a chegada do novo treinador. Isso é ruim. Se os trabalhos forem padronizados, vai facilitar tudo.
Todo clube brasileiro, por exemplo, deveria saber que tipo de atleta deve formar. Necessitamos encontrar este modelo. Acredito que essa seja a nossa principal carência nas categorias de base e de uma forma geral. Toda hora surge alguma evolução e é preciso ter alguém responsável para observar isso.
Para a função de goleiro, são trabalhados três aspectos no Red Bull: gol defense, zona defense e o ofensive game
Universidade do Futebol – Qual a metodologia utilizada por você e sua comissão técnica?
Gustavo Almeida – Em relação ao sistema de jogo, todas as equipes do Red Bull jogam no 4-3-3 e suas variações, como 3-4-3, com amplitude na frente. Também temos como princípio construir o jogo desde trás, achando o terceiro homem para dar progressão à jogada.
Agora, em relação à metodologia de treinamento, a gente utiliza tanto exercícios analíticos quanto minijogos. Eu sempre ouço muitas críticas em relação ao treino analítico. Mas, não vejo problema, desde que esteja relacionado com o jogo. Sempre com o objetivo de ter uma densidade maior. Utilizamos minijogos e grandes jogos, pois a metodologia analítica é limitante neste aspecto. Assim como acontece se você só trabalhar com minijogos. Talvez encontre um limitante também.
Para mim, o importante é como você utiliza o exercício, se está dentro do contexto de jogo. Por isso, a gente usa progressão pedagógica. É fundamental, durante o período da formação, trabalhar a tomada de decisão. Damos bastante treinos com sombra (marcação) para gerar este estímulo. Além disso, gostamos de ensinar os jogadores a se ensinarem.
Universidade do Futebol – Como são planejados os treinamento dos goleiros? Eles estão inseridos no modelo de jogo?
Gustavo Almeida – Os goleiros são muito importantes dentro do nosso modelo de jogo, pois temos como princípio iniciar jogando de trás. Então, nos treinamentos, eles são bastante estimulados a jogar com os pés.
No Red Bull, há a presença de um treinador global por gerenciar as formações de goleiros, que é o treinador de arqueiros do profissional, chamado Rodrigo Bruns. Ele também é o coordenador técnico dos goleiros das categorias de base dos clubes. E, para esta função, são trabalhados três aspectos: gol defense, zona defense e o ofensive game.
O primeiro é relacionado à defesa da meta, que é a característica mais importante de um goleiro na partida. A segunda abordagem é voltada para a cobertura defensiva que o goleiro tem de fazer, as saídas de gols, enfim, e é a mais difícil de trabalhar com os jovens. Isso porque notamos que vários gols que os goleiros sofrem no infantil são ocasionados por erros de saídas de gol. Muitos vão desenvolver isso quando chegarem à categoria sub-20, por exemplo.
E o terceiro foco é direcionado à parte ofensiva, o jogo com os pés, que é a mais frequente. Nossas estatísticas mostram que 80% das ações dos nossos goleiros no jogo são com os pés.
O técnico da categoria sub-15 afirma que a cobrança que sofre é em relação à melhora do trabalho. Para ele, foco sempre foi a formação do jogador para o profissional
Universidade do Futebol – Como você trabalha a questão da liderança com seus jogadores? Você considera que esta qualidade (de liderança) é inata ou pode ser desenvolvida com um trabalho adequado?
Gustavo Almeida – Eu acho que ela deve ser desenvolvida com o decorrer do tempo, durante a formação do jogador e do cidadão. E é lógico que você consegue desenvolver desde cedo quem são líderes.
E, nós treinadores, precisamos saber delegar responsabilidades, inserindo na forma que a gente quer que o time jogue, que saibam comandar, sejam organizados e responsáveis por aquilo que estão fazendo.
Mas, para isso, o técnico precisa ter uma postura em relação ao grupo, uma relação de respeitosa, que faça com que todos fiquem responsáveis pelo ambiente. Procuramos sempre desenvolver esse espírito de grupo nos nossos atletas porque, a partir do sub-15, a tendência do adolescente é ser egoísta. É normal eles pensarem primeiramente nas próprias vontades.
Mas, o futebol pode desenvolver esses sentimentos de cooperação e organização. É importante, nesta fase, eles serem estimulados a tomarem decisões pensando no grupo para o bem estar coletivo.
A marca atualmente conta com cinco times de futebol no mundo: na Áustria, Gana, Nova York, Alemanha, e Brasil. E todos eles seguem a mesma linha de trabalho
Universidade do Futebol – Como você trabalha a formação extracampo dos jogadores (aspectos sócio-formativos)? Você acredita ser possível ensinar valores através do futebol e, ao mesmo tempo, prepará-los para que se tornem bons jogadores?
Gustavo Almeida – Sem dúvida. Acredito que estes aspectos devem caminhar juntos e o nosso papel de treinador é esse. Do jeito que está a educação no nosso país, os pais delegam a educação para nós técnicos e professores. Isso porque muitos jogadores nesta fase de formação ficam alojados nos próprios clubes e acabam ficando sob a nossa responsabilidade.
Por isso, sempre tentamos estabelecer uma relação de respeito às regras do local, a ter uma postura correta nos alojamentos, a mostrar para eles que isso é importante para o convívio social e para a formação deles no futuro.
No Red Bull, nós temos um acompanhamento de psicólogos, e eles sempre nos dizem: ‘os meninos não são uma ilha, eles pertencem a um mundo e que não podem viver isolados’. É uma relação de causa e consequência. Então, a gente tenta passar isso para eles. Além dos treinamentos, procuramos conversar, dar palestras com profissionais de outros esportes, ver filmes, ler capítulos de livros, tudo para ajudar neste sentido.
Neste ano, implantamos reforço escolar de português para alguns meninos mais carentes e aulas de inglês para outros que têm um nível um pouco melhor. Hoje em dia, exige-se cada vez mais dos jogadores e eles precisam estar preparados para isso.
Universidade do Futebol – Em sua opinião, qual o maior problema e a maior virtude do futebol brasileiro hoje em dia?
Gustavo Almeida – Acredito que o maior problema é em relação à organização extracampo e essa cultura de resultados. São muito ruins para a evolução do nosso futebol. Precisamos de uma mudança urgente nisso.
Já a maior virtude é essa abundância de talentos que temos. Esta nossa cultura, de tanta gente apaixonada por esse esporte, gera muita demanda de bons jogadores.
A nossa variedade cultural, com tipos diferentes de pessoas, com formações distintas, acaba gerando muita criatividade e muita técnica em nossos atletas.
Acredito que essa variabilidade é a principal responsável por esses bons jogadores que vemos no Brasil. Apesar dos pesares, ainda conseguimos formar talentos porque a oferta é alta.
ENTREVISTA FEITA POR Guilherme Yoshida , PARA O SITE "UNIVERSIDADE DO FUTEBOL".
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