Gramado ruim não é desculpa para mau desempenho. Gramado ruim é explicação sim para o mau desempenho.
São inúmeros os estudos e as observações estatísticas que vêm nos últimos 15 anos – mais formalmente – analisando a suposta vantagem de equipes como mandantes, jogando dentro dos seus "domínios".
Há também pesquisas que evidenciam, por exemplo, a influência do mando de jogo nas decisões da arbitragem (especialmente na incidência de cartões amarelos e vermelhos) em determinadas competições.
Seja qual for o tipo de análise e abordagem realizada nessas pesquisas, muitos são os motivos e os apontamentos que tentam justificar as significativas diferenças observadas tendo o mando de jogo como variável independente nos estudos.
E ainda que haja evidências certeiras que mereçam nossa atenção dentro da ideia geral e concreta, de que mais do que o mando de jogo, o ambiente e a atmosfera presente nele (no próprio ambiente), são, sistemicamente falando, potencialmente determinantes para o resultado final da partida e até de um campeonato, gostaria de evidenciar neste texto algo que deveria sim, ser valorizado como variável para análise: o fator campo literalmente falando!
E do que se trata o fator campo, literalmente falando? Trata-se especialmente das condições do terreno de jogo (da grama, dos buracos, da areia, etc.) e de suas dimensões.
Claro que uma vitória ou uma derrota podem sim ser analisadas e explicadas por uma série de fatores interligados que compõe no contexto geral o resultado final de uma jogo.
Mas, como desvalorizar (como se faz inúmeras vezes) e negligenciar, por exemplo, a qualidade do terreno de jogo para analisar o desempenho de uma equipe?
No tênis, muitos grandes jogadores em um tipo de piso não são necessariamente os melhores em outro tipo – e se quiserem ser, precisarão treinar muito para que se acostumem com as nuances que um ou outro piso propiciarão à dinâmica do jogo.
Um campo de futebol com grama alta tornará o jogo mais pesado e lento. Um campo úmido, com grama fina e baixa propiciará um jogo muito veloz. Um campo de terreno duro, com muitas falhas na grama, areia e buracos, deixará a bola muito "viva", e o jogo jogado será outro.
Quando comparamos, muitas vezes o ritmo de jogo jogado no futebol europeu com o futebol brasileiro, há de se levar muito em conta o fator campo (ou melhor, vou chamar de fator gramado). Quando comparamos, muitas vezes a qualidade técnica do jogo europeu com a do futebol brasileiro, precisamos entender o "peso" do fator gramado.
Claro, o fator gramado não é a explicação para tudo – longe disso! Mas, chamo a atenção para o fato de que ele é sim, muitíssimo importante para analisarmos ocorrências do jogo.
Muitas vezes, porém, é mais simples fugir da questão que envolve a qualidade do gramado e partir para uma análise especulativa e imaginativa – por vezes infundada – que tenta explicar êxitos e fracassos (afinal como normalmente se diz: “se o campo estava ruim, estava ruim para as duas equipes”).
E é nessa afirmação que mora um dos grandes equívocos para iniciar a análise de um jogo. O campo está ruim para as duas equipes? Depende do jogo que cada equipe se propõe a jogar.
Uma equipe acostumada a chutões, bolas longas e cruzamentos distantes até a área, pode realmente não ter grandes problemas em um campo todo esburacado, que não favoreça a troca de passes.
Mas, para uma equipe que se propõe a controlar o jogo com bola, trocar passes rápidos e elevar o ritmo do seu jogar, um campo como o descrito no parágrafo anterior não vai ser nada bom.
Então, há de se considerar que um campo bom ou ruim, não é necessariamente bom ou ruim para todas as equipes que jogam nele.
Nas categorias de base do FC Barcelona, por exemplo, mesmo nos treinos em grama artificial, o campo é levemente molhado para a bola deslizar com mais facilidade e exigir dos jogadores mais velocidade e habilidade – não por acaso a sua equipe profissional tem como hábito, em seu campo, de utilizar o mesmo procedimento durante as partidas.
Então, se queremos jogos de melhor qualidade, ritmo e intensidade devemos sim começar por uma atenção especial ao campo de jogo. E não adianta dizermos que os jogadores devem estar habituados a jogar em qualquer tipo de qualidade de gramado. Se queremos excelência no futebol não podemos negligenciar o fato!
O campo ruim, cheio de falhas e desníveis, nivela o jogo a favor das equipes de menor qualidade. O campo com gramado alto (ou muito alto), nivela o jogo à favor da equipe menos veloz e de menor ritmo.
Por que mesmo quando se está evidente a má qualidade do gramado, ao invés de nos atentarmos a isso e cobrarmos melhores condições para deixar o jogo melhor, acabamos por nos deparar muitas vezes com explicações que tentam justificar o mau desempenho de jogadores e equipes a partir de um viés por vezes distante da realidade dos fatos (coisas do tipo: faltou concentração; faltou respeito ao adversário; faltou comprometimento com a equipe)?
Claro, o bom ou mau desempenho, o bom ou o mau resultado têm explicações multifatoriais! Não estou propondo aqui que desconsideremos todas elas!
Mas, de novo, uma equipe que se prepara para jogar futebol em alto nível técnico-tático-físico vai sofrer consequências negativas de um gramado ruim; e claro ela poderá ou não se adaptar rapidamente as condições dele.
Porém, isso não desabona a grande verdade, que é a de que equipes acabam por adotar o campo de jogo como sua armadilha principal para vencer seus adversários!
Isso quer dizer então, que a invés de dirigentes, treinadores, comissões técnicas e jogadores buscarem diariamente evoluir o jogo de suas equipes para efetivamente confrontar modelos e estilos, o que vemos é um "descomprometimento" com a evolução do jogar, à favor de um pacto com um "não jogar futebol que seja vantajoso".
Temos o dever de dar atenção a isso!!! Se queremos que nosso futebol melhore mais rapidamente, não podemos negligenciar o fator gramado!
Seja no Campeonato Brasileiro de futebol, nos Estaduais e Copa do Brasil nos quais isso é gritantemente evidente, ou ainda nas categorias de base: não podemos permitir que cada vez mais, continue ganhando espaço o desenvolvimento do "não jogar futebol que seja vantajoso", em detrimento do realmente jogar futebol!
UNIVERSIDADE DO FUTEBOL
0 comentários:
Postar um comentário